segunda-feira, dezembro 11, 2006

Um Papa diferente!

Numa instituição tão antiga como a Igreja, são geralmente os homens que estão muito dentro da tradição, que conhecem muito bem todos os elementos que estão em causa, os que se sentem seguros para avançar", dizia, em Abril de 2005, o bispo D. Manuel Clemente ao PÚBLICO e à Renascença. Na mesma entrevista, o bispo auxiliar de Lisboa também vaticinava que o novo Papa Bento XVI "venceria os fantasmas de Ratzinger". Ano e meio depois as palavras de D. Manuel Clemente mostraram ser sábias e avisadas, apesar de na época irem a contravapor do discurso dominante. É indiscutível que Bento XVI é o chefe da Igreja Católica intelectualmente mais interessante e rigoroso das últimas décadas. Os seus discursos necessitam de ser lidos e relidos antes de entendermos (julgamos nós) tudo o que comportam. E qualquer dos seus gestos, mesmo aqueles que podem parecer ocasionais, tal como a sua falta de carisma quando comparado com João Paulo II, são mais fruto da racionalidade do que das emoções.A sua recente visita à Turquia não foi apenas um acto de teimosia e de coragem: foi, porventura, o mais importante passo dado pela Igreja de Roma para afirmar a sua doutrina. E esta não é apenas a do diálogo e aproximação ecuménicas com os outros credos cristãos, em especial com as igrejas ortodoxas. Tal como também não é apenas a promoção do diálogo entre religiões quando se fala da "Cristandade" e do mundo muçulmano. O que Bento XVI deseja, aquilo por que luta, é pelo que disse, mesmo que utilizando palavras diferentes, em Ratisbona e em Ancara: pelo reconhecimento de que no Estado laico há um espaço para o sagrado e para o religioso. Fê-lo em Ratisbona, dando uma lição sobre a relação entre razão e religião. Repetiu-o em Ancara, ao lembrar o legado do fundador da Turquia moderna, Ataturk. Nos ortodoxos e nos muçulmanos respeitadores da separação entre o Estado e a Igreja Bento XVI encontra mais depressa aliados para a sua causa do que numa Europa que acredita "descristianizada". O Deus das três grandes religiões do Livro é o mesmo, apesar de todo o sangue que em seu nome correu. E se Bento XVI defendeu uma Turquia integrada na Europa, fê-lo sem abandonar a ideia de que a União Europeia é filha da tradição cristã, como defendeu que estivesse inscrito na Constituição. Contraditório? Talvez não, se pensarmos que o primeiro Estado a consagrar na sua Constituição a liberdade religiosa e a separação entre as instituições públicas e as diferentes igrejas
ainda imprime no seu papel-moeda "In God we Trust". Que Deus? Apenas o Deus de cada um e também o daqueles que não têm fé

editorial José Manuel Fernandes